Há alguns dias ao ver a novela ‘Cordel Encantado’ na rede Globo, me deparei com a cena do personagem Farid (Mouhamed Harfouch), na qual ele se encontra desesperado, pois, mantém um relacionamento amoroso com três mulheres: Neusa (Heloísa Perissé), Penélope (Paula Bulamarqui) e Bartira, personagem de Andréia Horta. A vida de Farid é um inteso jogo de cintura pra contornar as complicações de conciliar três relacões de forma secreta. Farid jura que ama de forma igual cada uma delas e que não saberia viver sem seus amores.
A novela mostra de maneira lúdica um assunto que muitas vezes é deixado de lado nas relações, mas, que atinge números muitos altos segundo algumas pesquisas. Trata-se da infidelidade nos relacionamentos amorosos e do impacto que a descoberta causa aos envolvidos. Quem acompanha a trama, percebe que o personagem de Mouhamed realmente ama suas mulheres e sofre pela situação, por não querer magoar nenhuma delas.
Segundo Regina Navarro Lins, autora do Best Seller ‘A Cama na Varanda’ publicado inicialmente em 1997 e relançado em 2005, “Numa relação amorosa estável, as cobranças de fidelidade são constantes e sua aceitação é natural. Com toda a vigilância que os casais se impõem, ficam impedidos de vivenciar experiências ricas e reveladoras que outros parceiros podem proporcionar. O conflito entre o desejo e o medo de transgredir é doloroso.”
As restrições que muitas pessoas têm o hábito de se impor por causa dos outros ameaçam bem mais uma relação do que uma "infidelidade". A música ‘Medo da Chuva’ de Raul Seixas aborda bem esse tema no momento em que seu ‘eu lírico’ lastima as restrições imposta por ele próprio, para sustentar seu relacionamento: “Porque quando eu jurei meu amor/ Eu traí a mim mesmo, hoje eu sei/ Que ninguém nesse mundo/ É feliz tendo amado uma vez...”
Voltando a nosso anti-herói, Farid se encontra em um eterno dilema: escolher uma de suas mulheres para viver ou ficar com as três de forma secreta. Na primeira escolha ele estará sendo desonesto com ele mesmo, traindo sua personalidade, lhe impondo restrições aos seus desejos por causa da mulher escolhida. No segundo caso ele estará mentindo para as pessoas que ele deveria ser o mais honesto possível, que são os seus amores.
O sentimento mais importante em qualquer relação é a sinceridade, ser sincero com você mesmo e com o outro. Contar sobre o desejo e a necessidade de realizá-lo é um ato de respeito à liberdade alheia, dessa forma damos o direito ao outro de permanecer ou não no relacionamento. Ninguém é obrigado e nem quer viver enganado. “somos responsáveis tanto pelo exercício de nossa liberdade quanto por permitir ao outro o exercício de escolha e da sua própria liberdade.”
Jean-Paul Sartre, filósofo e escritor defensor do existencialismo, em relação a sua companheira, Simone de Beauvoir, imortalizou a seguinte frase: "Entre nós, trata-se de um amor necessário: convém que conheçamos também amores contingentes." Trata-se da afirmação de que ninguém pode complementar todas as necessidades de outra pessoa por ela mesma. Somos seres imperfeitos com os mais diversos defeitos e qualidades. Às vezes nosso maior defeito apontado pelos outros pode ser nossa maior qualidade e algumas de nossas qualidades chegam a ser insuportáveis. Não se deve idealizar a pessoa amada e esperar que ela lhe complete plenamente. Deve-se apenas amar de forma honesta e real, sem esperar que o outro lhe complete de todas as formas possíveis.
Amor necessário é o amor que mantém a verdadeira essência da vida a dois. Uma relação onde todos se nutrem mutuamente desse processo para o ser desenvolvimento individual como pessoa. Nesse caso a presença da pessoa amada é indispensável para o crescimento e a felicidade de ambos. O amor necessário pode ser um casamento, um namoro ou uma amizade. O principal ponto é que seja uma relação, onde ambos buscam a felicidade e a felicidade da pessoa amada.
Amores contingentes estão intimamente ligados à descoberta do novo, o desejo e a necessidade que o ser humano possui em vivenciar emoções fortes e intensas. Não é o mesmo que uma relação aberta, que implica, apenas, encontros casuais fora do casamento, nem na infidelidade, que é secreta e sinônimo de desonestidade. As pessoas se permitem manter relações profundas e duradouras com outras pessoas, baseando-se no companheirismo, na amizade e amor.
Amores contingentes podem fortalecer ainda mais as relações de amor necessário. Amores contingentes podem se tornar amores necessários e coexistir em uma mesma relação.
O principal erro de Farid, em Cordel Encantado, é a sua falta de sinceridade com suas mulheres. Omitindo a existência de outras, ele alimenta cada vez mais seu sentimento egoísta, onde se preocupa apenas com sua felicidade negando o direito de que elas escolham permanecer ou não na relação.
No fim das contas, torço por um final feliz para o quarteto. Talvez entre mais alguém pra equilibrar o time.
"Amor não é se envolver com a "pessoa perfeita", aquela dos nossos sonhos. Não existem príncipes nem princesas. Encare a outra pessoa de forma sincera e real, exaltando suas qualidades, mas sabendo também de seus defeitos. O amor só é lindo, quando encontramos alguém que nos transforme no melhor que podemos ser."
(Mário Quintana).
Por André Alves.